Moradias irregulares são reflexo de desafio social que precisa ser combatido 2j5972

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Igor de Vetyemy, arquiteto e urbanista, atual presidente do IAB-RJ (Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro), destaca "tapa na cara" fado pela pandemia e abismo social

O arquiteto e urbanista, atual presidente do IAB-RJ (Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro), Igor de Vetyemy, enxerga o fator
social como o ponto que demanda maior atenção para chegarmos em uma cidade ideal.

Com um “tapa na cara” dado pela pandemia, a sociedade brasileira segue alargando o abismo social, o que contribui para espaços desordenados e queda na qualidade de vida dos moradores, na análise do especialista.

A solução, segundo ele, a pela atenção e investimentos do Estado nas áreas com menos infraestrutura.

Cidades com muita gente morando no mesmo lugar – como é o caso da região central de Florianópolis – têm o desafio de explorar os benefícios da grande densidade populacional, sem esquecer do equilíbrio social – Foto: Anderson Coelho/Arquivo/NDCidades com muita gente morando no mesmo lugar – como é o caso da região central de Florianópolis – têm o desafio de explorar os benefícios da grande densidade populacional, sem esquecer do equilíbrio social – Foto: Anderson Coelho/Arquivo/ND

Como deve ser a cidade do futuro? 1l5v25

Está muito claro que é uma cidade polinucleada. Cidades como o Rio de Janeiro, em que 70% da população migra num movimento pendular para trabalhar e volta para as periferias da cidade, o mais importante para resolver diversas questões, como os gargalos de trânsito, é essa situação. Isso não vai ser resolvido investindo se cada vez mais na mesma solução, que é aumentar estradas é insistindo nesse mesmo modelo.

Outro dos pontos sobre mobilidade urbana é claro que precisa ser investido em transporte de alta capacidade que não significa nenhuma ônibus, alta capacidade de transporte sobre trilhos, ônibus é no máximo média capacidade. Mas o mesmo problema não vai ser resolvido enquanto as pessoas precisarem se deslocar tanto todos os dias. Por isso a cidade do futuro ideal é a cidade em que em todos os as partes da cidade você tenha oportunidade para todos e isso vai tocar também no outro grande drama da cidade atual que essa enorme abismo social que existe a cidade no mundo inteiro especialmente no Brasil neste momento. O que precisa é de emprego de cultura, lazer, educação em todos os cantos da cidade.

Então o ponto seria social? 4d572

A gente só segue alargando esse abismo social, a pandemia foi um tapa na cara em relação a isso, a gente viu que a concentração de dinheiro aumentou muito, mas a ponto não só os mais riscos perderem um pouco e os mais pobres perderam muito, mas os mais ricos ficaram muito mais ricos na pandemia. Foi um fenômeno que acelerou diversos processos e a desigualdade social é o principal deles, é o maior drama e ele que ficou foi mais afetado ainda.

A cidade tem áreas que precisam se beneficiar de algum adensamento se tomasse cuidado nesse caso, inclusive com transporte público de qualidade. Mas tudo isso depende de planejamento, não é política, mas esbarra na classe política, que é quem tem o poder de decisão sobre o trabalho feito hoje”, diz Igor de Vetyemy – Foto: Arquivo PessoalA cidade tem áreas que precisam se beneficiar de algum adensamento se tomasse cuidado nesse caso, inclusive com transporte público de qualidade. Mas tudo isso depende de planejamento, não é política, mas esbarra na classe política, que é quem tem o poder de decisão sobre o trabalho feito hoje”, diz Igor de Vetyemy – Foto: Arquivo Pessoal

Então sem dúvida nós estamos no caminho terrível, o que precisa é que a sociedade inteira, começando pelos governos, que é quem tá mais longe disso. Entenda que os investimentos na cidade precisam ser distribuídos pela cidade inteira, especialmente cuidando dessa equidade, de investir muito mais, agora a gente precisa virar completamente o quadro atual de investimento, para investir massivamente nas periferias, nas favelas, que são os locais que não existem essas oportunidades.

Essas prioridades seriam como? 6u1j3

A prioridade geral seria investir nessas regiões. Mas sem dúvida o investimento principal é em saneamento básico e infraestrutura. É absurda a quantidade de residências sem saneamento básico, e a quantidade de casas sem o a água. Então, o investimento em infraestrutura é a prioridade zero dentro dessa prioridade geral. Fora isso, é muito importante investir em cultura e oportunidade. Porque isso não afeta só a pessoa, é dar a oportunidade para tantas mentes geniais que nascem nessas partes da cidade em que elas não têm oportunidade de desenvolver esse talento, e isso acaba impactando toda sociedade. Não é à toa que o Brasil é último da fila, não nos esportes, que você não precisa de uma estrutura séria. Mas em educação, educação é necessidade universal,
acho que enquanto não se entender que a falta de investimentos, a falta de presença de Estado afeta a cidade inteira, a gente não vai sair desse quadro que a gente está.

Como você avalia a tendência da verticalização das cidades? 3034z

O que impulsiona essa tendência está tão forte é o lucro. Mas uma cidade
mais densa não é uma coisa ruim, pelo contrário, existem possibilidades geradas pela densidade urbana se ela for bem gerida. A começar que a gente tem essa mania de pensar numa edificação sustentável, a gente pensa numa casa no campo. E isso não é sustentável. Quanto mais gente vive concentrada, mais consciente é essa distribuição de energia, de produtos, a circulação de pessoas, então a concentração em si não é um mal, pelo contrário, traz muitos benefícios. Em termos de sustentabilidade e sociabilidade, ela traz muitas oportunidades. Mas ela não pode ser vista apenas pela perspectiva do lucro, ela precisa encampar a compreensão que demanda muito dos espaços públicos, essa força que concentra a população nas cidades, ela fala em espaços privados, mas é muito importante que isso venha acompanhado, de investimento em uma cidade sustentável com espaços públicos de qualidade. A migração de mais gente para um lugar, em tese, aumentar a densidade pode ser muito positivo, só precisa ser feito com atenção do que é necessários de espaços, serviço e necessidade. Especialmente de mobilidade urbana. Não dá pra continuar se adensando mais, enquanto continuar se apostando num modal do século ado, que é o carro individual. Tem grandes chances de ganhar muita força por conta da pandemia, o que é contraditório, para ter cidades resilientes precisaria depender menos do carro, mas é muito importante que para se adensar um local ele seja muito bem servido de estrutura e transportes.

Como manter a qualidade de vida atraindo mais moradores? 2p3t1t

Isso é uma questão que não se resolve a curto prazo, porque demanda um
planejamento adequado. A cidade tem áreas que precisam se beneficiar de algum adensamento se tomasse cuidado nesse caso, inclusive com transporte público de qualidade. Mas tudo isso depende de planejamento, não é política, mas esbarra na classe política, que é quem tem o poder de decisão sobre o trabalho feito hoje, que é um trabalho essencial pra cidade, e que não é visto, que ninguém valoriza esse setor publico, mas que tá lutando contra momentos que uma corrente política empurra pra um lado, empurra pro outro, mas que é um trabalho técnico essencial para sobrevivência e planejamento da cidade. Para que essas tendências migratórias, que não adianta a gente tentar segurar porque ela acaba acontecendo, a força do dinheiro, se o lugar tá valorizado, e a especulação imobiliária vai investir ali, isso vai acabar acontecendo, então não adianta ficar lutando contra, a gente precisa planejar bem a cidade. Inclusive criar políticas públicas de incentivo e de delimitação de áreas que não pode adensar, e de um trabalho que demanda muito tempo de discussão, de revisões constantes do plano diretor, que é uma questão trabalhosa de fazer, se faz muito pouco, e que precisa ser feito constantemente, para que essa tendência migratória, que muitas vezes é inevitável, ela seja feita de uma maneira bem planejada, e que acomode bem as pessoas para gerar qualidade de vida em todos os cantos da cidade.

Como faz pra lidar com essa movimentação – a população dobra na temporada? 7r1x

Esse é um desafio enorme, mas é um desafio muito do nosso tempo. Porque a gente vive uma era de modernidade líquida, que tudo está em movimento o tempo inteiro, nada é sólido. As próprias populações migram muito mais, uma pessoa dessa geração se muda muitas vezes e muda muitas vezes de trabalho do que pessoas da outra geração. Planejar essa sazonalidade também é uma tarefa que não tem tantos saberes acumulados em cima dela, mas que ela precisa ser nesse momento que a gente precisa saber desses acúmulos. Porque é uma demanda que é possível planejar, é possível planejar espaços públicos que funcionem determinada época de uma forma, e outra época do ano eles mudem de função. O que a gente precisa é gerar esse acúmulo a partir de um diálogo
muito amplo, com organizações da sociedade civil, com universidades, com instituições, que possam fazer um bom planejamento para que isso possa ser aproveitado de diferentes maneiras.

Bolsões da pobreza, a parte sem infraestrutura, como avançar nesses locais? 2v2x3v

Isso é uma questão que está ligada ao momento histórico que estamos
vivendo. O mundo inteiro está vivendo o final de um ciclo neoliberal, em que se compreendeu cada vez mais que o estado tem que ser menor, isso
claro que no Brasil a gente continua com essa máxima que é pouco contestado, mas que cada vez mais vai ser, de que o estado o problema dele não que é ele é super dimensionado, o estado ele muitas áreas ele precisa de mais investimentos, porque o papel do estado é fazer esse equilíbrio. Essa lógica neoliberal que diz que o mercado dá conta, o mercado dá conta daquilo que é atraente pro mercado. Mas ele gera também essa periferia que precisa de investimento do estado, porque pro mercado não é atraente, não é o lucro que move a atuar naquela área.
Quem precisa mover essa organização social chamada governo, o governo
é feito pra isso, operacionalizar em cima dessa área onde existe o interesse do capital privado, do lucro, para saber transformar isso em oportunidade para investir nas áreas que não geram interesse do capital privado.

A cultura pode ser um grande investimento nesse setor? 1h22c

sem dúvidas, esse foi um grande o. O brasil teve na vanguarda dessa questão nos anos 90, durante a criação do programa Favela Bairro, e que virou um pouco exemplo pra todos lugares do mundo, mas a gente estagnou muito ali, trouxe muitos avanços, mas ainda tem diversos problemas que foram ficando mais claros ao longo do tempo, e um do lugares que se deu um o adiante muito importante, foi na Colômbia, Medellin especialmente, implantou-se a partir da ideia favela bairro, criou essa infraestrutura e criou equipamentos de cultura. Toda favela
tem espaços que de alguma forma trazem identidade cultural. Esse investimento em cultura precisa acompanhar o investimento em infraestrutura, que é onde a gente parou aqui no Brasil.

Quais são os exemplos mais práticos de investimento na cultura? 374666

Aqui no Brasil isso foi sendo desenvolvido por ONGs. Toda favela tem organizações da própria favela pra estruturar isso. Investimento nessas criações de cada local são os ideias, porque cada local tem suas vocações, vai ter as suas peculiaridades cultura, o que pode ser num lugar uma biblioteca, na outra pode ser uma casa de show, ou pode ser um teatro, cinema, um espaço para festivais de música, depende de cada lugar. O que é muito importante é que esse processo seja construído com a população local. Só ela vai saber junto com o trabalho desenvolvido com participação de técnicos, aquela solução que vai ser encontrada e apropriada pela população. Somente quando a população se sente ouvida e participante daquele processo, é que ela realmente se apropria daquele equipamento e que vai ter um impacto absurdo. Uma coisa que a pandemia nos ensinou é que não basta somente investir em espaços públicos, nossas periferias
e favelas elas têm uma qualidade de habitação terrível. Elas não têm saúde, então é muito importante desenvolver programas de aperfeiçoamento profissional, não basta investir em espaço público se as pessoas moram em habitações precárias.