A quadra de futebol e o parquinho estavam vazios e silenciosos naquela tarde. O local onde dava pra ouvir barulho e agitação era dentro de uma sala. A placa em cima da porta adianta ao visitante o que tem lá dentro: bocha.
Não só uma, no singular, mas várias bochas. Sempre do mesmo peso e tamanho, só que com dois grupos de cores diferentes para identificar o material de cada equipe.
Além delas e do bolim – uma bola pequena de arremesso inicial – o interior da entrutura também conta com a cancha, cadeiras, troféus e, claro, jogadores.
O espaço da Associação Atlética Volantes da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), na Capital, foi reconstruído e entregue à comunidade em setembro de 1989. Atualmente quem chefia a instituição é o presidente Dirivam Santos.

Hoje, um grupo com cerca de 10 pessoas ocupa o local na quarta-feira a partir das 14h. É o dia da turma dos “mais experientes”, composta majoritariamente por idosos. O mais novo é Marco Aurélio Ruchel, de 39 anos, filho do Ademir Ruchel, aposentado, de 60 anos.
Em casos de linhagem familiar no esporte, geralmente o mais velho influencia o mais novo. Só que nessa história acontece o contrário: o pai começa a praticar incentivado pelo filho.
Marco tem paralisia cerebral leve e é apaixonado pelo esporte. A entidade que ele participa fez uma parceria para o treinamento voltado ao Parajasc (Jogos Abertos Paradesportivos de Santa Catarina).
Já o pai dele nunca tinha jogado e decidiu aprender para acompanhá-lo. “Resolvi me associar para que, enquanto ele estivesse fazendo a prática eu pudesse jogar com o pessoal também. Foi assim que comecei e gostei”, lembra Ademir.
A família do atleta paralímpico mora em São José, na Grande Florianópolis. Eles integraram o grupo de bocha há cinco anos.

“O pessoal abraçou ele como se fosse um filho de todo mundo. Hoje são pessoas que fazem parte do nosso ciclo de amizade. Aqui a gente não visa competição, nos encontramos para brincar”, destaca.
O lema da bocha é justamente esse: o esporte que faz amigos. Devido ao formato de jogo em cancha, os jogadores ficam próximos e podem conversar o tempo inteiro, o que incentiva a troca de experiências.
Projeto atrai comunidade para o espaço 4t5w29
As oficinas de aprendizado e aperfeiçoamento da prática de bocha na UFSC buscam formar uma nova geração para o esporte. Realizada toda sexta-feira ao meio-dia, o projeto gratuito e aberto à comunidade atrai jovens e adultos para a iniciação esportiva.
“Eu quero a gurizada aqui dentro. A gente sabe que a educação esportiva é importante. Isso é inclusão social. Beneficia a sociedade de uma maneira geral”, destaca o presidente da associação e organizador.
A iniciativa de criar o projeto veio da Cristiane Ker de Melo, coordenadora das práticas corporais do Departamento de Esporte, Cultura e Lazer da SeCArtE (Secretaria de Cultura, Arte e Esporte), que percebeu que o espaço poderia ser melhor utilizado. Ela uniu forças com Dirivam para iniciar a tramitação interna.
As oficinas começaram em junho deste ano. Hoje tem 30 pessoas inscritas e o planejamento é para receber ainda mais. “Isso tem que ser potencializado, então pensei em fazer o projeto e divulgar esse espaço que é fantástico para a comunidade. Não é só para a universidade. Qualquer um pode participar”, completa.
Apesar de ser um esporte mais popular entre os idosos, a coordenadora explica que os mais novos também podem participar e demonstram interesse. “Tem esse pré-conceito de que seria um esporte só para idosos porque não tem tanta adrenalina, o que geralmente é associado a uma ideia de vitalidade e agilidade do corpo. É um exercício de muita concentração e estratégia. Pelo modo que vem sendo jogado aqui, um dá dica para o outro, um ensina o outro, mesmo que adversários, explica.
Em relação aos alunos do projeto, alguns buscaram as oficinas para aprender e outros já jogavam nas cidades no interior e querem retomar.
É o caso de Edemiler Api. O advogado de 35 anos praticava quando era adolescente, em Chapecó. Mas fazia tempo que não tinha o ao esporte.
“Jogo porque é uma recordação da infância da minha família do interior”, justifica.
Já Bruno Cequinel é aposentado e tem 70. Ele gosta de jogar bocha para ar o tempo e se divertir. “É uma atividade a mais que a gente tem para não ficar parado”, relata.
As inscrições para participar do projeto são realizadas pela internet através de um formulário divulgado no site da universidade. O espaço fica na rua Desembargador Vitor Lima, nº 193, em frente à Reitoria II, no Campus de Florianópolis.
O jogo 4f2b33
A história da bocha tem influência italiana. Os primeiros imigrantes chegaram em Santa Catarina na segunda metade do século XIX, principalmente na região do Vale do Itajaí, na Serra e no Sul do estado. Quando se estabeleceram no estado eles continuaram a praticar o jogo como forma de manter a cultura e também para lazer e entretenimento.
O esporte se assemelha a sinuca, boliche e bolinha de gude. Segundo o regulamento técnico publicado pela Confederação Brasileira de Bocha e Bolão, em fevereiro de 2012, é jogado em duas equipes, formadas por até três jogadores.
O objetivo é lançar as bochas em direção ao bolim – a bola menor de cerca de 4cm de diâmetro. Cada equipe tem direito a quatro bochas na modalidade individual e dupla ou seis na modalidade trio. Elas medem pouco mais de 10 cm de diâmetro e pesam de 900 a 950 gramas. Dentro da cancha, os jogadores ficam posicionados atrás das linhas de lançamento. Pontua a equipe que, no final de todas as jogadas, manter a bocha mais perto do alvo.
A primeira bochada 395x3q
Faltava um para completar o trio. Sem experiência, entrei em campo. Rolei a primeira bocha e ela até parou perto do bolim. Só que o membro da outra equipe conseguiu deixar ainda mais perto. Nesse caso é hora do tiro! Um tipo de lançamento para empurrar a bola do adversário. Seu Dirivam, da minha equipe, se concentrou, mirou, correu até o limite da linha e lançou. A bocha sobrevoou a cancha, bateu no chão e foi parar do outro lado da quadra. “Quase”, disse um dos observadores da partida.
Na minha segunda tentativa de pontuar, joguei muito fraco. A precisão é decisiva e alguns centímetros fazem toda a diferença. Entre um ponto e outro, ecoavam pela sala algumas frases típicas do linguajar bochista como “boa bola” ou “curta demais”. Até que alguém comenta uma jogada ruim dizendo “isso é a gravitação universal dos corpos, sabe quem inventou? Einstein!” Outro participante responde: “Não. Foi o Newton”. A galera ri. No final, até disseram que joguei bem. Talvez tenha sido a famosa sorte de iniciante.